Como entender e ajudar a geração Z e os jovens “nem-nem” no Brasil
Entrevista realizada pela jornalista Lilia Barros com o pastor Elton Melo, para a Revista Comunhão, a revista de maior circulação para o público evangélico do Brasil.
Últimas Gerações
Desde o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), diversas gerações têm surgido, cada uma moldada por eventos e tendências sociais únicas. Vamos percorrer essas gerações até a atual Geração Z:
- Baby Boomers (1946-1964): Os Baby Boomers nasceram no rescaldo da guerra e cresceram em uma época de prosperidade econômica nos Estados Unidos e em muitas partes do mundo. Eles valorizavam a estabilidade, o trabalho árduo e a família. Os Boomers desempenharam um papel importante nos movimentos pelos direitos civis e pela igualdade de gênero nas décadas de 1960 e 1970. Eles viram avanços tecnológicos, como a chegada da televisão.
- Geração X (1965-1980): A Geração X testemunhou a crescente influência da tecnologia, como o surgimento dos computadores pessoais e dos videogames. São conhecidos por sua independência e ceticismo em relação às instituições. Muitos enfrentaram desafios econômicos, como a recessão da década de 1980. Eles valorizam o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.
- Geração Y (Millennials, 1981-1996): Os Millennials cresceram com a internet, transformando a forma como as informações são acessadas e compartilhadas. São conhecidos por sua adaptabilidade, valores progressistas e preocupação com questões sociais e ambientais. Eles experimentaram eventos significativos, como o 11 de setembro e a Grande Recessão. Muitos buscam trabalhos com propósito e equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
- Geração Z (1997-presente): A Geração Z é a primeira a crescer totalmente imersa na era digital. São nativos digitais, caracterizados pela fluência tecnológica, uso intensivo das redes sociais e conexão global instantânea. Valorizam a diversidade, a inclusão e o ativismo. Estão enfrentando desafios únicos, como a crescente automação de empregos e a mudança nas dinâmicas de trabalho e educação devido à pandemia COVID-19.
A Geração Z está moldando a cultura atual com seu ativismo, conscientização ambiental e demanda por mudanças sociais.
Eles enfrentam incertezas econômicas, mas também têm acesso a oportunidades globais devido à tecnologia. Seu impacto na sociedade continuará a ser uma narrativa importante nas décadas futuras, à medida que buscam equilibrar a busca pela autenticidade e o ativismo com as pressões econômicas e sociais de um mundo em constante evolução. Como todas as gerações, eles trazem perspectivas únicas, moldadas pelas circunstâncias de seu tempo, que influenciarão a sociedade e a cultura nas próximas décadas.
Jovens “nem-nem”, como entender isso?
1- Como interpretar estes dados?
O Brasil é classificado como vice-campeão no ranking da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – de jovens ‘nem-nem’, ou seja, jovens que nem estudam, nem trabalham. Isso é uma preocupação séria e merece atenção. Essa situação reflete uma parcela significativa da juventude brasileira que enfrenta dificuldades em se inserir no mercado de trabalho ou acessar a educação formal. É importante observar que esses números podem variar ao longo do tempo e de acordo com a metodologia de coleta de dados da pesquisa.
2- Parece que essa geração é muito crítica, tem opinião e resposta para tudo, porém sem compromisso, sem responsabilidades. Não se preocupa em se formar e profissionalizar. Isso procede?
A percepção de que a Geração Z é crítica, tem opiniões, mas parece não se comprometer com responsabilidades como formação profissional pode ser um estereótipo que não se aplica a todos os jovens dessa geração. No entanto, é verdade que a juventude contemporânea enfrenta desafios diferentes dos das gerações anteriores, como uma economia mais volátil e a crescente importância das tecnologias digitais, o que pode afetar suas escolhas educacionais e profissionais.
A alta incidência de jovens da Geração Z que não estudam e não trabalham pode ser atribuída a uma série de fatores complexos e interligados:
- Desafios econômicos: A Geração Z enfrenta desafios econômicos significativos, incluindo altas taxas de desemprego e subemprego, salários estagnados e custos crescentes de vida, como habitação e educação superior. Isso pode desencorajar os jovens de buscar educação e emprego.
- Acesso à educação: Nem todos os jovens têm acesso igualitário à educação de qualidade. A falta de acesso a escolas de qualidade, recursos educacionais e oportunidades de bolsas de estudo pode limitar as perspectivas educacionais.
- Mudanças tecnológicas: A automação e a mudança tecnológica rápida estão transformando o mercado de trabalho. Alguns jovens podem se sentir despreparados para enfrentar essa evolução e podem adiar a entrada no mercado de trabalho.
- Pressões sociais e mentais: A Geração Z também enfrenta pressões sociais significativas, como o estresse relacionado às redes sociais, preocupações com a imagem corporal e saúde mental. Isso pode afetar negativamente sua capacidade de se concentrar nos estudos ou no trabalho.
- Desalento: O desalento é um fenômeno em que os jovens desistem de procurar emprego devido à falta de oportunidades ou à falta de confiança em suas habilidades. Isso pode levar ao status ‘nem-nem’.
- Escolhas educacionais: Alguns jovens podem escolher adiar a educação superior ou entrar no mercado de trabalho diretamente após o ensino médio, levando a uma pausa temporária nos estudos.
- Cultural e social: Mudanças culturais e sociais, como uma ênfase na busca de propósito e satisfação pessoal em vez de empregos tradicionais, podem levar alguns jovens a adiar a entrada na força de trabalho ou a buscar alternativas menos convencionais.
- Incertezas políticas e econômicas: Incertezas políticas e econômicas, como crises financeiras ou instabilidade política, podem afetar negativamente a confiança dos jovens na perspectiva de um futuro estável.
É importante reconhecer que as causas podem variar entre diferentes regiões e grupos socioeconômicos. Abordar esse problema requer uma abordagem multifacetada que inclui políticas educacionais, programas de empregabilidade, apoio à saúde mental e esforços para reduzir as desigualdades econômicas.
Compreender as causas é o primeiro passo para criar soluções eficazes para apoiar a Geração Z em sua transição para a vida adulta.
3- De quem é a responsabilidade? Da família, do estado, da igreja ou dos próprios jovens? Por quê?
A responsabilidade pela situação dos jovens ‘nem-nem’ é compartilhada. A família, o Estado, a igreja e os próprios jovens têm papéis a desempenhar. A família desempenha um papel crucial na educação e orientação dos jovens. O Estado deve garantir o acesso à educação de qualidade e políticas de emprego adequadas. A igreja e outras instituições sociais podem oferecer apoio moral e comunitário. Os próprios jovens também devem tomar decisões responsáveis em relação à sua educação e carreira.
4) Quais os riscos dessa situação?
Os riscos dessa situação incluem a perpetuação do ciclo de pobreza, falta de qualificação profissional, menor participação na economia e até problemas sociais, como a criminalidade. Além disso, pode haver um impacto negativo na saúde mental e bem-estar dos jovens que se sentem excluídos do sistema educacional e econômico. Podemos detalhar melhor estes conceitos.
Os riscos associados à alta incidência de jovens ‘nem-nem’ são significativos e abrangentes:
- Perpetuação do ciclo de pobreza: Jovens que não estudam nem trabalham enfrentam uma probabilidade maior de permanecer em situações de pobreza ao longo de suas vidas. Isso pode criar um ciclo intergeracional de desvantagem econômica.
- Falta de qualificação profissional: Ao não buscar educação ou treinamento profissional, esses jovens podem encontrar dificuldades em adquirir as habilidades necessárias para empregos bem remunerados e estáveis no futuro.
- Menor participação na economia: A falta de participação ativa na força de trabalho significa que esses jovens não contribuem significativamente para a economia, o que pode afetar o crescimento econômico de longo prazo do país.
- Problemas sociais: Os jovens que se sentem desvinculados da sociedade e sem perspectivas podem enfrentar problemas sociais, como o envolvimento em atividades criminosas, uso de substâncias e outras formas de comportamento de risco.
- Impacto na saúde mental: A falta de propósito, a exclusão social e a falta de perspectiva podem ter um impacto negativo na saúde mental dos jovens, levando a problemas como ansiedade, depressão e isolamento social.
- Desigualdade e exclusão social: A alta incidência de jovens ‘nem-nem’ pode aprofundar as desigualdades sociais e econômicas em uma sociedade, pois esses jovens podem ser excluídos de oportunidades que outros desfrutam.
- Custo para o sistema de bem-estar social: Jovens que não estão ativamente envolvidos em educação ou emprego podem depender de programas de assistência social, aumentando o custo para o sistema de bem-estar social e os contribuintes.
- Perda de potencial: Cada jovem que não está realizando seu potencial educacional e profissional representa uma perda de talento e recursos para a sociedade como um todo.
Portanto, a alta incidência de jovens ‘nem-nem’ representa uma preocupação significativa, não apenas para os próprios jovens, mas também para a sociedade em geral. É fundamental abordar esses riscos por meio de políticas públicas, apoio familiar, orientação educacional e oportunidades de emprego para garantir um futuro mais promissor para essa geração
Como mudar esta realidade
5) O que a Igreja e a família podem e devem fazer para mudar esse quadro?
A situação dos jovens ‘nem-nem’ no Brasil, como destacada pela OCDE, é um desafio complexo. Do ponto de vista teológico, isso nos lembra da importância de cuidar dos vulneráveis e desfavorecidos na sociedade, como ordenado por muitos ensinamentos bíblicos, incluindo o mandamento de amar o próximo como a si mesmo.
Tanto a igreja quanto a família podem desempenhar um papel importante na mudança desse quadro. A igreja pode fornecer orientação moral e apoio emocional aos jovens. A família pode incentivar e apoiar a educação de seus membros, além de fornecer um ambiente estável e favorável ao desenvolvimento pessoal.
Para mudar o quadro da alta incidência de jovens ‘nem-nem’, a igreja e a família podem desempenhar papéis significativos:
- Orientação moral e espiritual: A igreja pode oferecer orientação moral e espiritual, ensinando princípios de responsabilidade pessoal, ética e solidariedade. Isso pode ajudar os jovens a desenvolver uma base sólida para tomar decisões informadas sobre educação e carreira.
- Apoio emocional e comunitário: A igreja pode fornecer um espaço de apoio emocional e comunidade para jovens que enfrentam desafios. Isso pode incluir grupos de jovens, aconselhamento pastoral e programas de apoio à saúde mental.
- Incentivo à educação: Tanto a igreja quanto a família podem enfatizar a importância da educação como um meio de capacitação e crescimento pessoal. Isso pode incluir encorajar a participação em programas educacionais, fornecer recursos para bolsas de estudo e oferecer apoio na busca de oportunidades educacionais.
- Modelagem de valores: A família desempenha um papel fundamental na modelagem de valores, incluindo responsabilidade, perseverança e resiliência. Os pais podem inspirar seus filhos a buscar o autoaperfeiçoamento e a independência.
- Diálogo aberto: Tanto a família quanto a igreja podem promover o diálogo aberto com os jovens, permitindo que expressem suas preocupações, aspirações e desafios. Isso ajuda a entender suas necessidades e a oferecer apoio adequado.
- Mentoria e aconselhamento: Programas de mentoria dentro da igreja ou da comunidade podem conectar jovens com adultos mais experientes que podem orientá-los em suas escolhas educacionais e de carreira.
- Programas de capacitação profissional: A igreja e a família podem colaborar com programas de capacitação profissional ou iniciativas de empregabilidade para ajudar os jovens a adquirir habilidades práticas e acesso ao mercado de trabalho.
- Promoção do voluntariado e do serviço comunitário: Incentivar os jovens a se envolverem em atividades de voluntariado e serviço comunitário pode não apenas desenvolver suas habilidades, mas também cultivar um senso de responsabilidade e propósito.
- Promoção da resiliência: Tanto a igreja quanto a família podem enfatizar a importância da resiliência e da superação de desafios. Isso ajuda os jovens a enfrentar dificuldades e a manter o foco em seus objetivos.
Em conjunto, essas abordagens da igreja e da família podem criar um ambiente de apoio e orientação que capacita os jovens a tomar decisões informadas, buscar educação e oportunidades de emprego e, assim, mudar o quadro dos ‘nem-nem’ para um futuro mais promissor.
6) É possível fazer um comparativo da postura da juventude nas últimas décadas?
Comparativamente, a postura da juventude nas últimas décadas tem evoluído de acordo com as mudanças sociais, econômicas e tecnológicas. Cada geração enfrenta desafios e oportunidades únicos. A Geração Z é influenciada pela tecnologia digital e pela globalização, o que molda suas perspectivas e escolhas. (Veja o tópico da introdução).
7) Para onde caminha essa juventude?
O caminho que essa juventude está seguindo pode variar amplamente. Alguns jovens podem superar os desafios e prosperar, enquanto outros podem continuar a enfrentar dificuldades. Muitos fatores, incluindo políticas governamentais, oportunidades econômicas e acesso à educação, desempenharão um papel importante em seu futuro.
A direção que a juventude ‘nem-nem’ da Geração Z está tomando é influenciada por uma série de fatores, e é importante reconhecer que essa direção pode ser altamente variável de um indivíduo para outro. Aqui estão algumas das possíveis trajetórias:
- Superando desafios: Alguns jovens ‘nem-nem’ podem encontrar maneiras de superar seus desafios, seja por meio de programas de capacitação, acesso a oportunidades de emprego, ou iniciativas educacionais que lhes permitem adquirir habilidades e se integrar na sociedade de maneira mais plena.
- Persistência na situação atual: Alguns jovens podem permanecer em uma situação de não estudo e não trabalho por um período prolongado devido a obstáculos significativos ou falta de oportunidades. Isso pode levar à perpetuação de seu status ‘nem-nem’.
- Mudança de foco: Alguns jovens podem optar por se concentrar em outras áreas de suas vidas, como o voluntariado, o ativismo social ou a busca de projetos pessoais. Embora não estejam envolvidos em estudos ou trabalho tradicionais, podem encontrar significado em outras atividades.
- Transições tardias: Alguns jovens podem atrasar sua entrada na educação superior ou no mercado de trabalho por razões pessoais, como viagens, descoberta de interesses pessoais ou cuidados familiares. Eles podem eventualmente fazer a transição para a educação e o emprego quando se sentirem mais preparados.
- Necessidade de apoio e intervenção: Para alguns jovens ‘nem-nem’, pode ser necessária intervenção de serviços sociais, educação especializada, aconselhamento ou reabilitação para ajudá-los a superar barreiras e encontrar um caminho mais positivo.
- Desafios persistentes: Infelizmente, alguns jovens podem continuar enfrentando dificuldades significativas, incluindo desemprego crônico, falta de acesso à educação e problemas de saúde mental. Nesses casos, é fundamental que a sociedade forneça apoio e oportunidades para ajudar esses jovens a melhorar sua situação.
O caminho que cada jovem da Geração Z, em particular o “nem-nem” escolhe ou é forçado a seguir depende de uma variedade de circunstâncias individuais e sociais. Portanto, é crucial que governos, organizações, famílias e comunidades trabalhem juntos para criar um ambiente favorável que ofereça oportunidades educacionais, de emprego e de desenvolvimento pessoal, ajudando assim a maioria desses jovens a encontrar um caminho mais promissor em direção ao seu futuro.
8) Biblicamente o jovem tem a obrigação de estudar e trabalhar?
A Bíblia ensina princípios como responsabilidade pessoal, diligência e busca de sabedoria. Portanto, os jovens devem buscar a educação e o trabalho como parte de seu desenvolvimento pessoal e contribuição para a sociedade. O livro de Provérbios, por exemplo, enfatiza a importância da sabedoria e do entendimento como fonte de bênçãos e sucesso na vida. Provérbios 4.7 afirma: “O conselho da sabedoria é: procure obter sabedoria; use tudo que você possui para adquirir entendimento” (NVI).
Além disso, a Bíblia ensina sobre a responsabilidade no trabalho. Em 2Tessalonicenses 3.10, está escrito: “Quando ainda estávamos com vocês, nós lhes ordenamos isto: se alguém não quiser trabalhar, também não coma“. Isso ressalta a importância do esforço e da contribuição para a própria subsistência. A Bíblia promove valores como a busca de sabedoria e a diligência no trabalho como meios de honrar a Deus e viver uma vida plena e responsável.
Conclusão
Concluindo, este estudo sobre a alta incidência de jovens ‘nem-nem’ da Geração Z nos leva a refletir sobre a complexidade dos desafios enfrentados por essa coorte demográfica. É evidente que não existe uma única resposta para essa situação, uma vez que ela é influenciada por uma variedade de fatores econômicos, sociais e individuais.
É imperativo que a sociedade, os governos, as instituições educacionais, as famílias e as comunidades se unam para abordar essa questão de forma abrangente. Isso envolve a criação de políticas públicas que incentivem a educação e o acesso ao mercado de trabalho, a promoção de oportunidades de capacitação profissional e a construção de redes de apoio emocional e social para os jovens.
Também é essencial reconhecer a diversidade dentro da Geração Z e compreender que cada jovem enfrenta circunstâncias únicas. Portanto, abordagens personalizadas são cruciais para fornecer o suporte necessário a cada indivíduo.
Além disso, à medida que a Geração Z avança em direção à vida adulta, é fundamental criar espaços para que esses jovens se envolvam na tomada de decisões que afetam seu futuro. Seu ativismo, preocupações sociais e criatividade podem ser canais poderosos para a mudança positiva na sociedade.
Em última análise, nosso compromisso com o bem-estar e o futuro da Geração Z é um reflexo de nosso compromisso com o progresso social e econômico. Ao investir em oportunidades educacionais, empregabilidade e apoio emocional, podemos ajudar a moldar um futuro mais promissor para esses jovens e, assim, fortalecer nossa sociedade como um todo.
Elton Melo é pastor titular da Primeira Igreja Batista Independente de Curitiba. Produz vários estudos teológicos e motivacionais, que estão disponíveis no site www.alcancevitoria.com. Tem vários livros escritos e também é presidente da ASEC – Associação de Editores Cristãos.
Lilia de Souza Barros, é jornalista e locutora. É cristã e reside em Vila Velha, ES – Contatos: liliabarros7@gmail.com – Linkdin.
Autor: Elton Melo
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