Como entender os sinais no Evangelho de João
Os sinais relacionais no Evangelho de João
O Evangelho de João tem, além do famoso prólogo (1:1-18) e do epílogo (21), duas grandes partes, conhecidas pelos teólogos como o Livro dos Sinais (1:19-12:50) e o Livro da Glória (13:1-20:31). Embora os títulos não indiquem tudo que há em cada “metade” do Livro, eles nos apontam para um tema importante no Evangelho de João, que é como os sinais de Jesus apontam para a sua glória; como tudo aquilo que Jesus fez, de algum modo, aponta para sua crucificação e ressurreição.
“Jesus, pois, operou também em presença de seus discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.” (Jo. 20:30,31)
Para uma melhor leitura, dividimos o Quarto Evangelho da seguinte forma:
1) Prólogo: 1.1-18
2) Livro dos sinais: 1,19 – 12.50
3) Livro da Glória: 13.1 – 20.31
4) Epílogo: 21.1-25
Os “sinais” da primeira parte do Evangelho de João traduzem essa perspectiva espiritual da obra. O termo grego usado é semeîon. Às vezes é traduzido simplesmente como “milagre”, coisa completamente errada. O sinal é algo que faz vir à mente outra coisa. Ele pode ser natural ou convencional.
Um sinal natural é algo entendido por todos. Por exemplo, fumaça relembra fogo. E isso em todos os lugares do mundo. As pegadas de pés na areia da praia lembram uma pessoa, que por ali passou.
Um sinal convencional invés é diferente para cada cultura, para cada contexto. No tempo dos vickings, o corno era sinal de força. É por isso que os vemos sempre representados com um capacete com cornos. Hoje, para nós, o corno tem outro sentido. A palavra “cachorro” significa o animal doméstico para todos os que conhecem português. Mas para quem não o conhece, não quer dizer nada. Esses são sinais convencionais.
Entender um sinal natural é fácil, mas sinais convencionais mudam de cultura para cultura. João usa principalmente sinais convencionais. Para entendê-los é necessário estudar o seu contexto. Só assim podemos entender de maneira plena. Por exemplo, quando diz que encontra a Samaritana no poço, precisamos entender o sinal “poço”, que provavelmente para nós não significa nada, mas para a cultura bíblica significa muito; é, por exemplo, o lugar privilegiado para começar uma relação que se tornará “casamento”.
Para entender João precisamos sair das nossas convicções culturais.
O Símbolo
O sinal, visto que se trata de algo que chama em mente una outra realidade, é expressão de uma dualidade: existem dois elementos, um que conduz ao outro. Em João essa dualidade é constantemente exprimida em relação a planos: o baixo e o alto, o mundo do ser humano e o mundo de Deus, aquilo que se vê e aquilo que verdadeiramente existe. Os setes sinais que Jesus realiza representam a síntese de sua vida, que é, em si, um sinal, um grande semeîon.
A) Sinais: a palavra grega neste caso é “semeion”, traduzida em português como “sinal”. É diferente da palavra “dinamis”, cuja tradução é “milagre”. A palavra “sinal” (semeion) nos fala de um poder ou significado que está por trás de um evento extraordinário, sendo mais importante que ele. Embora “sinal” apareça em outros livros do NT, João usa somente esta palavra (e nunca “milagre”).
Desse modo, os milagres em João não são apenas manifestações sobrenaturais de poder, mas a expressão material de verdades espirituais. O milagre descrito é a demonstração do poder apresentado no ensino.Poderíamos dizer que a vida de Jesus é um símbolo.
A palavra símbolo em grego (symbolon) lembra dois pedaços de uma mesma realidade, necessárias para constituir um todo. O símbolo, portanto, é uma metade que precisa da outra para criar uma unidade.
O contrário de symbolon é diabolon (separar, dividir).
Assim como Moisés foi enviado a realizar sinais que autenticassem sua autoridade profética perante o povo israelita (Êx. 4:1-9), Jesus foi enviado a fazer as “obras” do Pai que lhe enviou, as quais testificam do seu anúncio (Jo. 5:36). Há, de fato, consistente conexão, ao longo do Quarto Evangelho, entre ver os sinais e crer no Filho (2:11,23; 4:48; 6:2,30; 10:24,25,37,38; 11:47,48; 12:10,11; 20:25,30,31). Se Jesus não realizar sinais, eles não crerão (4:48; cf. 10:37,38). Mas assim como na narrativa do deserto (Nm. 14:11), a reação de fé perante os sinais não é automática (7:5; 12:37); afinal, nem todos são ovelhas (Jo. 10:26). Mas isso torna mais culpados aqueles que não creram (15:22,24).
Em 2:18, sinal é o que confere ou confirma a autoridade profética (mas veja Dt. 13:1-3; Mc. 13:22 par); autoridade é, no sinóticos, a questão levantada pelos fariseus após a purificação do templo (Mc. 11:27,28 par.).
A comparação entre Moisés e Jesus (leia aqui), explícita em Jo. 1:17, percorre o restante do Evangelho; de fato, Jesus é aquele que liberta os escravos (8:31-36), aquele que dá o verdadeiro maná (6:29-33) e água (4:10-14; 7:37), e é erguido como serpente no deserto (3:14,15). A tipologia entre Moisés e Jesus tende, é claro, para a superioridade deste, pois faz obras que nenhum outro fez (15:24).
Retomando João, os fatos históricos da vida de Cristo para ele são os sinais, o símbolo da da vida de Deus, do mistério trinitário divino. Jesus é aquele que permite criar unidade. Os fatos que João conta, sinais, são tidos como significativos, comunicam algo a mais. É por isso que precisam ser lidos em chave simbólica.
- A transformação da água em vinho, em Caná – Jo 2, 1-10;
- A cura do filho do funcionário do rei – Jo 4,46-54;
- A cura do enfermo (paralítico) em Betsda – Jo 5, 1-9;
- A multiplicação de pães e peixes, Jo 6, 1-13;
- Jesus caminhando sobre o mar da Galiléia , Jo 6, 16-21;
- A cura do cego de nascença, Jo 9;
- A ressurreição de Lázaro, Jo 11, 1-46.
O evangelho de Jesus Cristo segundo João usa a palavra sinais referindo-se as ações milagrosas que Jesus realizou. Em João há um crescendo dessas ações de Jesus, que começam na transformação da água em vinho, em Caná e culminam com a ressurreição de Lázaro.
Pessoas precisam agir
No evangelho segundo João para que os sinais aconteçam há a necessidade de uma ação das pessoas a quem Jesus se dirige. Assim, em Jo 2, 1-10, os serventes são convocados a saírem e encherem as 6 talhas com mais ou menos 600 litros de água. Na época e naquela região era necessário ir buscar água longe e isso não foi muito fácil. O pedido da mãe de Jesus foi bem claro: “fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5), e Jesus pediu que enchessem as talhas com água ( Jo 2,7).
Na cura do homem enfermo, há 38 anos (toda uma geração de vida), Jesus pede que o homem se levante, pegue a cama e ande, e o homem faz o que Jesus pede (Jo 5,8). Na cura do cego de nascença, a cura acontece em etapas: ao deixar-se ter os olhos untados com lodo por Jesus, ir até a piscina de Siloé para se lavar e aos poucos ir abrindo seu entendimento sobre quem é Jesus. Inicialmente ele diz que Jesus é um homem, depois ele diz que Jesus é um Profeta, que não é pecador, que é de Deus e finalmente o reconhece como o Filho do homem e lhe faz uma profissão de fé quando se ajoelha e diz: Creio, Senhor ( Jo 9,38).
Nesse evangelho são descritos apenas sete sinais de Jesus, pois a comunidade entendeu que esses eram suficientes para conhecer quem é Jesus e como ele agiu (cf. Jo 20, 30-31 e 21,25), embora Jesus tenha feito muitos outros sinais que não constam desse evangelho.
A comunidade joanina organiza a primeira parte do livro em sete sinais (Jo 2,1-11,54). Os sinais escolhidos evidenciam a soberania de Jesus ao narrar seu agir como o Senhor e Messias em resposta ao Império Romano e aos judeus fariseus que perseguem as comunidades cristãs. Ao mesmo tempo, os sinais descrevem a proposta de Jesus: um projeto de vida plena que considera a realidade e a necessidade concreta das comunidades. Eis aqui os sete sinais e as propostas:
1) Bodas de Caná
“A mãe de Jesus lhe disse: ‘Eles não têm mais vinho’. Jesus respondeu: ‘Mulher, que temos a ver com isso? Minha hora não chegou’” (Jo 2,3-4). A comunidade joanina apresenta Jesus como o messias soberano que transforma, sem a presença do mestre da cerimônia, a água da purificação ritual no vinho do amor de Deus. Todavia, a “hora” de Jesus, ou seja, o estabelecimento da nova aliança com Deus atingirá o seu auge na cruz (Jo 13,1; 19,30).
O primeiro sinal é a transformação da água em vinho na festa de Caná (2:1-11). Sua mãe, seus irmãos e seus primeiros discípulos estão presentes (2:12), e é sob instigação de sua mãe que Jesus realiza aquele que é textualmente identificado como o primeiro sinal: “Com este, deu Jesus princípio a seus sinais em Caná da Galiléia; manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele.” (2:11). A Páscoa estava próxima (2:13). Esse primeiro sinal relembra o último sinal a ser realizado por Moisés para que o povo de Israel acreditasse em sua vocação profética: tornar água em sangue (Êx. 4:8,9).
Outro detalhe, notado com maior freqüência, é a quase recusa de Jesus em realizar o milagre por não haver ainda chegado a sua “hora” (2:4). O sinal e a hora estavam ligados. Com isso, Jesus se refere à hora de ser preso e morrer (7:1-9,30; 8:20). O texto parece pressupor que a morte de Jesus seria o momento para mostrar sua glória e realizar o seu sinal.
água transformada em vinho: Jesus efetua instantaneamente uma transformação que leva meses para se realizar. Ele revela que não está limitado ao curso natural das coisas. Esse sinal nos fala de transformação: nossa vida velha (água insípida, incolor) é transformada ao recebermos a Sua vida (vinho), que é fonte de alegria, assim como inextinguível (as seis talhas de pedra).
2) Cura do filho do funcionário real:
Como o primeiro, o segundo sinal foi realizado em Caná (onde Jesus o concedeu), mas também em Cafarnaum (onde se cumpriu). Jesus voltava para a Galiléia depois de ter sido rejeitado na Judéia, e é recebido pelos galileus (4:43-46). O milagre é a cura do filho de um oficial de Herodes, que estava à beira da morte e que Jesus cura à distância (4:46-54). É explicitamente chamado de “segundo sinal“ (4:54) e foi realizado na proximidade da Páscoa (4:43-45; cf. 2:13ss). Provavelmente não é à toa que o Quarto Evangelho coloque esse milagre em um contexto galileu, e isso fortalece a temática aberta em 1:17; dada a rejeição, Jesus não iria seguir os protocolos do judaísmo.
“O funcionário do rei disse: ‘Senhor, desce antes que meu filho morra!’ Jesus lhe disse: ‘Pode ir. Seu filho está vivo’. O homem acreditou na palavra que Jesus lhe deu e foi embora” (Jo 4,49-50). Segundo o Evangelho de João, diferentemente de Mateus e de Lucas, o pai que pede a cura do filho é o funcionário real. Ele dá ordens para que Jesus desça a Cafarnaum para curar seu filho. Jesus, o verdadeiro senhor, critica a atitude dos donos do poder, que obrigam e manipulam o povo. O segundo sinal, assim, ensina que a vida não depende do poder, e sim depende do seguimento da palavra de Jesus.
Jo 4:46-54: a cura do filho do oficial do rei: ao curar um menino que estava a 30 km de distância, Jesus revela-se o Senhor sobre o espaço, pois seu poder não conhece limites de distância.
3) Cura do paralítico na piscina de Betesda
O terceiro sinal é a cura do paralítico no tanque de Betesda (Casa da Bondade, ou da Misericórdia), em Jerusalém (5:1-15). Jesus foi a Jerusalém para “uma festa” (5:1). O milagre foi realizado no sábado (5:10), e, por isso, o Quarto Evangelista prefere utilizar uma expressão que, na sua linguagem, é idêntica a “sinal”, mas que ressoa melhor com a situação, que é a expressão “obra” (7:21). Que “sinal” e “obra” sejam o mesmo, e vê em 9:3,16 (cf. 4:48, 10:37,38), mas esta última ressalta o fato de que Jesus violou o descanso sabático ao realizar o milagre, ato que incita os judeus a persegui-lo (5:16-18).
“Estava aí um homem, cuja doença já durava trinta e oito anos. Jesus viu o homem deitado e ficou sabendo que aí estava fazia muito tempo. Então lhe disse: ‘Você quer ficar bom?’ (…) Jesus disse: ‘Levante-se, pegue sua maca e ande’” (Jo 5,5-6.8). Jesus soberano toma a iniciativa e oferece a cura ao homem doente sem que este a peça. Esse homem está na porta da piscina rodeada de cinco colunatas onde funcionam as escolas dos fariseus. Ou seja: as cinco colunatas simbolizam os cinco livros da Lei, e com eles os fariseus interpretam, impõem, controlam, paralisam e excluem os pobres da salvação e da vida. Esse terceiro sinal expressa a liberdade e a vida que brotam da água viva, a palavra de Jesus.
Jo 5:1-9: a cura do paralítico no tanque de Betesda: quanto mais longa (38 anos) é uma enfermidade, mais difícil é curá-la. Mas Jesus mostra ser Senhor sobre o tempo e todas as suas consequências ao curar este homem. Ainda que muitos anos de trevas nos tenham paralizado completamente, Ele é poderoso para nos restaurar o vigor e a força.
4) A multiplicação dos pães
O quarto sinal é a multiplicação dos pães e peixes para alimentar uma multidão (6:1-15). Jesus está próximo ao mar da Galiléia. O milagre é explicitamente chamado de “sinal” (6:14,26), e aqueles que o viram identificaram Jesus como “o profeta que devia vir ao mundo”, o que, no v. 15, se mostra ser o Messias. Essa multidão claramente vê em Jesus, que os alimenta, o mesmo que seus antepassados teriam recebido de Moisés (cf. Dt. 18:15-18). O milagre de Jesus deixa sobras, enquanto que o de Moisés não. A Páscoa estava próxima (Jo. 6:4).
“Jesus ergueu os olhos e viu uma grande multidão que ia ao seu encontro. Então disse a Filipe: ‘Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?’ Jesus falou assim para testar Filipe, pois sabia muito bem o que ia fazer” (Jo 6,5-6). A comunidade joanina, diferentemente dos Evangelhos sinóticos (Mt, Mc e Lc), apresenta Jesus bem soberano: ele mesmo observa a fome do povo, sabe de antemão o que fazer e distribui o pão. Neste quarto sinal, o Evangelho ensina que a distribuição dos bens da vida deve acontecer dentro do projeto da partilha, da solidariedade e da gratuidade de Deus, e não segundo a lógica do acúmulo e da ganância dos poderosos.
Jo 6:1-14: os cinco mil alimentados com 5 pães e dois peixes. Aqui o Senhor se revela como o Senhor da quantidade, capaz de suprir tudo o que nos é necessário. Ele é o que veio para dar vida abundante.
5) Jesus caminha sobre o mar
O quinto sinal, que ocorre logo em seguida, é andar sobre as águas do mar da Galiléia (6:16-21). Há quem dispute a identidade desse feito miraculoso como sinal, visto não ser explicitamente chamado assim, ainda que haja alguma relação com a travessia do Êxodo.
“Soprava vento forte e o mar estava agitado. Os discípulos tinham remado uns cinco ou seis quilômetros, quando viram Jesus andando sobre o mar e chegando perto do barco. Ficaram com medo. Jesus, porém, lhes disse: ‘Sou eu. Não tenham medo’” (Jo 6,18-20). Como no quarto sinal, relacionado com a narrativa do maná no deserto (Ex 16), a comunidade joanina apresenta Jesus como o novo Moisés na travessia do mar para sair da terra da escravidão (Ex 14,15-31). Na narrativa, Jesus soberano declara: “Sou eu”. É uma expressão que evoca o nome do Deus libertador (Javé: Ex 3,14-15). Javé, Deus da vida, reside na palavra e prática de Jesus que vence os poderes do mal (Jo 18,5-6).
Jo 6:16-21: Jesus anda sobre o mar tempestuoso: O Senhor revela-se como Senhor sobre todas as leis naturais deste mundo.
6) A cura do cego de nascença
O sexto sinal é a cura de um cego de nascença (9:1-7), no tanque de Siloé (O Enviado). É chamado “sinal” (9:16), e parece ter sido feito na proximidade da Festa dos Tabernáculos (7:2,10). Foi feito no sábado (9:14). O milagre causa uma discussão entre os fariseus sobre a autoridade de Jesus realizar milagres e quebrar mandamentos. Para Jesus, cegos eram aqueles “discípulos de Moisés” (9:28) que se negavam a crer nele (9:39). Enquanto os fariseus argumentavam que um homem pecador (que violava o Sábado) não poderia ser enviado de Deus, o cego de nascença lhes respondia com base naquilo viveu: “havendo sigo cego, agora vejo” (9:25).
“Ao passar, Jesus viu um homem que era cego desde o nascimento. Seus discípulos perguntaram: ‘Rabi, quem foi que pecou, para ele nascer cego? Foi ele, ou foram seus pais?’ Jesus respondeu: ‘Não foi ele que pecou, nem seus pais, mas isso aconteceu para que a obra de Deus se manifeste nele’” (Jo 9,1-3). No sexto sinal, Jesus, novamente, se apresenta como um senhor soberano, que sabe e pensa em realizar o sinal da cura. É o senhor da vida que desmascara e julga os que mantêm o povo na “cegueira” e na exclusão: “Eu vim a este mundo para realizar um julgamento, a fim de que vejam os que não estão vendo, e os que estão vendo se tornem cegos” (Jo 9,39). A cegueira é não ver a pessoa necessitada, mas ver apenas o pecador (Jo 9,1-2).
Jo 9:1-12: a cura do cego de nascença: Jesus revela-se como o Senhor sobre as desgraças da condição humana. Nós somos cegos de nascença, e no máximo podemos tornar-nos religiosos. Mas Ele vem abrir-nos os olhos para que possamos ve-lo e adorá-lo. Ele é o Senhor que concede visão espiritual.
7) Ressurreição de Lázaro
O sétimo sinal é a ressurreição de Lázaro em Betânia, perto de Jerusalém (11:1-45), reconhecido como sinal em 12:18, pouco antes da Páscoa (11:55). Jesus aguarda a morte de seu amigo Lázaro, porque, realizando esse sinal, espera que seus discípulos creiam (11:15); de fato, o v. 15 dá a entender que, se Jesus estivesse lá, não teria permitido a morte de Lázaro.
“‘Nosso amigo Lázaro está dormindo. Eu vou lá para acordá-lo’. Os discípulos lhe disseram: ‘Senhor, se ele está dormindo, vai se salvar’. Jesus estava falando da morte de Lázaro, mas eles pensavam que estivesse falando do sono comum. Então Jesus lhes falou claramente: ‘Lázaro está morto. E eu me alegro por não ter ido lá antes, para que vocês acreditem. Vamos agora ao encontro dele’” (Jo 11,11-15). No último sinal, o Evangelho apresenta a glória do Deus da vida, na obra mais expressiva da prática libertadora de Jesus: passar da morte à vida pelo amor e solidariedade. É a obra que aponta o grande sinal: a própria morte e ressurreição de Jesus.
Todas as pessoas, que acreditam em Jesus como o senhor da ressurreição e da vida, devem lutar para que todos tenham a vida em abundância. Esse sinal é o que ocasiona a conspiração contra Jesus (11:46-53), dando razão ao que Jesus temeu quando sua mãe lhe pediu para fazer o primeiro sinal: realizar sinais atrairia para si ódio e ele seria morto. A história de Lázaro levava outras pessoas a crerem em Jesus, o que fazia com que o próprio Lázaro fosse perseguido (12:9-11).
A conspiração é política: os fariseus temem que os romanos tirem o seu lugar (11:48) e por isso prestam fidelidade a César (19:15) contra a pretensão popular de coroar Jesus (6:15), pois o povo crê em Jesus por ver que “faz muitos sinais” (11:47,48). Diferentemente de outros momentos em que tentam matar Jesus, neste existe um envolvimento da liderança de Jerusalém e do sumo sacerdote. Não era mais um linchamento espontâneo, mas sim uma decisão calculada. Já estava decidido: “Desde aquele dia, resolveram matá-lo.” (11:53).
Jo 11:1-46: a ressurreição de Lázaro: Jesus revela-se como o Senhor sobre a morte.
Jesus soberano e libertador
Todos os sinais apresentam Jesus soberano e libertador. A soberania de Jesus aparece mais fortemente nos relatos da paixão, morte e ressurreição; Jesus mesmo se entrega e sua soberania derruba os guardas (Jo 18,1-9); diante de Pilatos, fala com autoridade e afirma sua realeza (Jo 18,28-40); Jesus Cristo ressuscitado demonstra seu poder sobrenatural (Jo 20,19-29).
Os Evangelhos recordam os principais fatos e palavras de Jesus, à luz da ressurreição do Senhor Jesus Cristo. Narram a vida de Jesus para orientar e animar os cristãos. As palavras e as obras de Jesus foram relidas, reinterpretadas e transmitidas a partir da realidade e da caminhada de cada comunidade. Com as palavras e as obras de Jesus soberano, a comunidade joanina deseja orientar e animar seus membros, sofridos e ameaçados pela perseguição do Império Romano e dos judeus fariseus: “Neste mundo, vocês terão aflições, mas tenham coragem: Eu venci o mundo” (Jo 16,33).
O poder do Senhor ressuscitado é maior e mais forte do que o do mundo! Na missão, o espírito do Senhor Jesus Cristo atua na comunidade: “Jesus lhes disse de novo: ‘A paz esteja com vocês. Assim como o Pai me enviou, eu também envio a vocês’. Tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: ‘Recebam o Espírito Santo’” (Jo 20,21-22).
Nos Evangelhos sinóticos, a conspiração para matar Jesus é ocasionada pela purificação do Templo e conseqüente confronto entre Jesus e líderes locais (especialmente a Parábola dos Lavradores Maus), que se dão na última semana. Quando entendemos a teologia dos sinais de João, vemos por que ele transfere a purificação para o começo do Evangelho (2:13-22), longe da última semana: os sinais que Jesus realizava radicalizava a reação dos judeus, entre aqueles que o abraçavam e aqueles que o odiavam, e aí se localiza o ódio contra ele.
Então aparece o oitavo sinal, no Livro da Glória, que é aguardado e prenunciado por todo o Evangelho, e já identificado como sinal desde o prenúncio de 2:18-22, mas, indiretamente, também em 20:30,31. Chegou a hora de Jesus: a hora de ser glorificado (12:23,27; 13:1; 16:32; 17:1). O oitavo sinal é a Crucificação, seguida da Ressurreição. Morto, Jesus verte sangue e água (19:33-37), o que faz com que outros creiam nele.
Enquanto a ressurreição recorda o milagre realizado por Jesus em Caná, seu primeiro sinal, sua própria ressurreição recorda o último sinal realizado em Betânia. Jesus foi “levantado” (3:13-15; 8:28), isto é, crucificado, e sendo crucificado ele atrai todos a si (12:32), o que manifesta a glória do oitavo sinal sobre todos os outros sete. Tomé quer ver “o sinal [typon] dos cravos” (20:25), mas bem-aventurados são os que não viram e creram (20:29).
Estrutura de sinais do evangelho de João
No Evangelho, pode- se observar que foi escrito seguindo um plano, a estrutura compondo um prólogo, uma primeira semana, sete sinais, uma segunda semana e os epílogos.
O prólogo (Jo 1, 1-18) é um hino a Jesus, é a palavra que mostra à humanidade quem é Deus: en arque en o logos kai o logos en pros ton theon kai theos en o logos; outos en en arque pros ton theon (transliterado do grego), no princípio (arque) era a Palavra (logos), que estava junto de Deus (theo) e que era Deus.
O primeiro dia da primeira semana começa com o testemunho de João Batista (Jo 1, 19-28). No segundo dia acontece a apresentação do Cordeiro de Deus (Jo 1, 29-34). No terceiro dia, João Batista envia os primeiros dois discípulos que aderiram a Jesus e o chamado de Pedro (Jo 1, 35-42). Finalmente, no quarto e quinto dia, Jesus chama Filipe e Natantael e os outros apóstolos (Jo 1, 43-51).
E no sexto dia (simbólico) acontecem os sete milagres, o que se convencionou chamar sinais da vida. O primeiro sinal é o casamento em Caná (Jo 2, 1-12). João faz um claro paralelo com o Gênesis (1,26-27): no sexto dia, Deus criou o homem (ser humano, no contexto) à sua imagem e semelhança e no Evangelho o sexto dia começa com o casamento em Caná, simbolicamente a adesão a Jesus pela fé.
No segundo sinal, são os pagãos, representados pelo oficial do rei, que aderem a Jesus, (Jo 4, 46-54). De fato, o objetivo dos sinais realizados por Jesus é mostrado em Jo 20, 30-31: Jesus fez, na presença dos seus discípulos, ainda muitos outros milagres que não estão escritos neste livro, mas estes foram escritos, para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.
O terceiro sinal é a cura do paralítico, que testemunha diante das autoridades dos judeus, que procuram matar Jesus, (Jo 5, 1-18).
O quarto sinal é a partilha dos pães, em que Jesus celebra a Páscoa do outro lado do mar da Galileia junto com a multidão de doentes e não em Jerusalém. E foge para as montanhas quando o povo quer aclamá-lo rei. E, conjuntamente, o quinto sinal mostra Jesus caminhando sobre as águas (Jo 6, 16-21).
O sexto sinal é a cura do cego de nascença, que aceita Jesus, enfrenta o poder que mantém o povo cego e dependente e é banido da sociedade. (Jo 9). E o sétimo sinal é a ressurreição de Lázaro, a vitória sobre a morte, que tem como resultado muitos judeus acreditarem em Jesus (Jo 11, 1-45) e as autoridades religiosas decretarem sua morte (Jo 11, 46ss).
A segunda semana acontecem nos seis dias antes da Páscoa dos judeus (Jo 12,1-19,42). E seguem, o grande sinal (Jo 13, 1 – 20, 29), o lava-pés (Jo 13, 1-30, o discurso de despedida (Jo 13, 31 a 17, 26), a Paixão, morte e ressurreição de Jesus (Jo 18, 1 a 20, 29).
Finalmente, o Epílogo (Jo 20, 30-31), que revela o motivo dos sinais, o Apêndice (Jo 21, 1-23), em que acontece o chamamento de Pedro, e o segundo epílogo (Jo 21, 24-25).
Crer: Eis outra palavra importante no evangelho de João. Este verbo aparece 98 vezes em João, comparado com 11 vezes em Mateus, 15 vezes em Marcos e 9 vezes em Lucas. A ênfase na fé surge no primeiro capítulo e é encontrada em todas as partes do livro, culminando na lição dada a Tomé (20:29). Não se trata de uma concordância intelectual, ou de acharmos que o argumento do autor é correto, mas de aceitar as implicações da revelação de Jesus Cristo como Filho de Deus, que implica em uma entrega pessoal à Ele, para que se possa experimentar as realidades espirituais nele contidas (“vida”).
Autor: Elton Melo
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